sexta-feira, 5 de julho de 2013

A importância do Cavalo no tempo de Viriato


Para compreendermos devidamente a importância que o cavalo assumiu nas campanhas de Viriato,
temos de recuar no tempo, quando, durante o século VI a.c., as tribos celtas da Europa Central
começaram a emigrar para a orla do Mediterrâneo e para ocidente em direcção a Península Ibérica.
Essas tribos, apesar de minoritárias, eram, contudo, poderosíssimas, mercê do facto de já possuírem armas de ferro tecnicamente muito bem feitas (na altura a maioria das tribos ibéricas utilizavam ainda o bronze) mas, sobretudo, pelos seus magníficos cavalos de guerra. A superioridade no armamento e os seus instintos de combatentes experimentados aliado a tácticas de combate só possíveis mercê das suas montadas treinadas para a guerra, concedeu‐lhes uma superioridade tal que rapidamente subjugaram os povos por onde passavam.

Os Celtas possuíam um tipo de cavalo oriundo da Europa Central com uma envergadura acima da
media dos equinos de então, muito robusto, mas de mobilidade reduzida, pelo que o seu manejo era
de certo modo difícil. Isso implicava, por um lado, a existência de arreios e ferros especiais que
permitissem um total controle da montada e, por outro, uma enorme destreza do cavaleiro para a
dominar. Como os Celtas já conheciam e trabalhavam habilmente o ferro, facilmente souberam criar
engenhos de boca e arreios adaptados às mais difíceis circunstancias. Dominavam em pleno o cavalo com freios, bridges e freios‐bridges, conheciam já as ferraduras, utilizavam uma espora no calcanhar esquerdo, laboravam com grande habilidade o couro e criaram selas, algumas delas já anatómicas, que permitiam uma enorme estabilidade e equilíbrio ao cavaleiro, em uma época em que ainda não existiam estribos (que só fizeram a sua aparição no século VIII d.c.). Por isso, a eficácia do cavaleiro dependia da sua destreza, mas em grande parte do tipo de selas utilizadas.
 Até então, esse cavalo devido e sua sela era tido como uma montada romana, trata-se de um
cavalo celta com a sua sela do século I a.c., e cujo modelo iria servir de referencia, sensivelmente um século mais tarde, para equipar a cavalaria romana. Aliás, os Romanos nunca exibiam os seus compatriotas sendo mortos nos monumentos triunfais e por isso o cavalo caído de S. Remígio nunca poderia ser romano.

Quando os celtas chegaram ao Ocidente peninsular rapidamente se aperceberam da realidade da população equina ali existente. Nos contrafortes montanhosos do Noroeste transmontano dominavam os garranos, cavalos pequenos, rústicos, de grande mobilidade, com uma incrível capacidade de sobrevivência em qualquer terreno, por mais inóspito que fosse.
Nas veias do Mondego, Tejo e Sado dominavam os sorraias, raça maior e mais pesada que o garrano, mas também ela rústica e de grande mobilidade, génese longínqua do actual cavalo lusitano.
Do cruzamento das montadas celtas da Europa Central com o cavalo autóctone do Ocidente peninsular iria nascer uma raça de cavalos celebrizados por Estrabão, por Plínio e por Possidônio, nascidos das "éguas fecundadas pelo vento", como relata Sílio Itálico na Púnica. Tão respeitados e estimados eram esses cavalos que muitos deles foram honrados como divindades, sendo mesmo vários santuários (como o de Mula‐Múrcia) erigidos em sua honra, o que bem traduz o carácter quase divino em que o cavalo era tido.

                                                                                Garranos no Gêres

Para entendermos devidamente o impacto que o cavalo da Lusitânia teve nas campanhas de Viriato, temos de falar também da cavalaria romana. Os Romanos eram, por natureza, maus cavaleiros.
Montavam escarranchados sobre os rins dos cavalos com rédeas muito compridas o que, desde logo, lhes retirava grande mobilidade. Só quem nunca montou a cavalo é que não se apercebe do equilíbrio que é necessário para, sem estribos, montar desta forma. Por isso a equitação era restrita a aristocracia que se treinava em numerosas escolas e se passeava ou saltava no campo de Marte. Por outras palavras: o cavalo não era tido como uma arma de guerra a considerar, e por isso os Romanos, que foram os primeiros a criar coudelarias especializadas nos diferentes fins, ignoraram o cavalo de combate. Desenvolveram coudelarias de cavalos de caça (venaticus), de tiro rápido (itinerarius), de tiro lento (manus), o cavalo de passeio (gradarius ou ambulator), o cavalo para viagens longas (incitatus), os trotadores (concussator ou sucussator, ou mesmo cruciator ‐ o que mostra bem quão incomodo era para o cavaleiro romano aguentar um trote sem sela e sem estribos), os de cortesia (cantherius) e, naturalmente, de cavalos de corridas para os hipódromos (quadrigas).

Todos estes tipos de cavalos, sobretudo os de corridas, eram cuidadosamente criados e seleccionados nas melhores coudelarias de Roma. Mas o cavalo de guerra (bellator equus) era relegado para um plano secundário. Se, por um lado, não havia a tradição da guerra a cavalo, por outro, os interesses de Roma focavam‐se em outros sentidos mais rentáveis que não os da guerra. Talvez por isso as legiões romanas incorporassem tão pouca cavalaria e assentassem inicialmente sobre a infantaria pesada. Por outras palavras: a cavalaria era o elo mais fraco do exercito romano. Na batalha de Pidna os Romanos tinham só seiscentos cavaleiros. Vinte e cinco anos mais tarde, os Romanos desistiram completamente da sua cavalaria, empregando em seu lugar contingentes de cavaleiros fornecidos e conduzidos por chefes locais.

Quando em 218 a.c, no decurso da II Guerra Púnica, as legiões romanas, comandadas por Gnaeus Cornelius Scipio, pisaram solo hispânico com o objectivo de impedir o fornecimento de homens e material a Cartago, entraram em confronto aberto com as tribos locais e, a partir de 155 a.c., com a derrota do pretor Manlius, a Lusitânia via‐se envolvida no conflito. Todos os Lusitanos da zona norte do Tejo, e também os da zona sul, aliados aos Celtas e aos Vetões, iniciam a Guerra Lusitana. O conflito começa em 151 a.c., após as traições de Sulpício Galba, em que são chacinados nove mil Lusitanos e outros vinte mil vendidos como escravos. É, precisamente, depois dessa terrível hecatombe, provocada pelo pretor romano, que as forças lusitanas se unem em torno de Viriato.
Quando se da este formidável embate, as forças em presença apresentam, por um lado, as formidáveis legiões romanas, pesadamente armadas, munidas de uma disciplina férrea, de uma eficácia comprovada em anteriores conflitos, mas completamente destituídas de mobilidade. Ali todo o poder residia na infantaria pesada. Do outro lado, dominava a cavalaria ligeira caracterizada por uma notável mobilidade, evitando o confronto directo, mas actuando ágil e brutalmente sempre que a ocasião se propiciava.
Esta foi a realidade que dominou os campos de batalha da Lusitânia e da Bética entre 155 e 138 a.c.
A superioridade coube, naturalmente, à face mais móvel e com mais capacidade de penetração.

Alias, Roma conheceu bem o poder brutal da cavalaria ibérica durante as campanhas de Hannibal, cujo exercito incluía largos contingentes de cavaleiros peninsulares que desempenharam o seu papel de cavalaria ligeira, como também provaram ser capazes de derrotar em batalha a melhor cavalaria romana, chefiada pelos mais prestigiados cabos de guerra. Tito Lívio narra‐nos, pela boca de Hannibal, quando em um dos seus empolados discursos, nos põe o general cartaginês incitando os seus homens na luta contra os romanos de Cipião:

"Por muito tempo perseguistes os rebanhos nos montes da Lusitânia e da Celtiberia, sem dar alguma vantagem dos vossos perigos e fadigas".

Sendo a mobilidade a essência da cavalaria lusitana desenvolveu‐se uma táctica em que cada cavalo transportava dois homens: o cavaleiro e um auxiliar. No local da batalha o auxiliar apeava‐se e combatia a pé e o cavaleiro a cavalo. Depois montavam de novo e rapidamente se afastavam do local da batalha.
Durante o século IV a.c os Celtiberos deram um importante contributo na arte da guerra com a introdução da ferradura e dos cascos amovíveis de metal atados com couro. Esta invenção aumentou enormemente o potencial militar da cavalaria e influenciou a organização dos exércitos. Calcula‐se que nos exércitos lusitanos a cavalaria tenha assumido 20 a 25% do total das forças, enquanto nos exércitos de Roma essa proporão era inferior a 14%.
O cavalo das tribos lusitanas era tido em grande estima e, por isso, era em circunstâncias normais, altamente decorado. Mas, em guerra, toda essa decoração lhe era retirada, ficando restrita ao essencial. Disso nos dão conta as numerosas esculturas e, sobretudo, as pinturas nos vasos de Líria.

O treino que os Lusitanos davam aos seus cavalos e cavaleiros era intenso e cuidadoso. A montada estava treinada para se ajoelhar e aguardar em silencio até ao sinal do cavaleiro, prática corrente na guerra de guerrilha, então em voga na Península Ibérica. Estrabão relata‐nos que os cavalos neste país sido treinados a subir montanhas e a dobrar rapidamente os joelhos, dado um sinal, quando é preciso.

No combate em campo aberto, quando os cavaleiros saltavam para o chão para combater, as suas montadas esperavam‐nos sem se mexerem. Cada cavalo tinha ao pescoço, fixo a cabeçada, um guizo, que permitia que no meio da confusão da batalha o cavaleiro reconhecesse o seu cavalo pelo som do tilintar. Curiosamente esse guizo deve ter desempenhado um papel tão importante que raras são as representações em pinturas de cavaleiros ibéricos em que o guizo não tome um lugar de destaque.

Fonte: http://www.historia.templodeapolo.net/

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