segunda-feira, 15 de abril de 2013

  O sacrifício no contexto ritual guerreiro

- ashvamedha, purusamedha, october equus e o rito lusitano - 




Este tipo de contexto ritual, envolvendo sacrifícios humanos e de equídeos, encontra-se atestado entre os Lusitanos por três testemunhos distintos, respectivamente de Tito Lívio, de Plutarco e de Estrabão. O primeiro e também o mais antigo, refere-se ao argumento de defesa de S. Sempronio Galba que, responsabilizado pelo massacre de um grupo de Lusitanos, afirma ter agido em legítima defesa, uma vez que fora informado que estes haviam imolado homens e cavalos segundo o seu rito, indício seguro de que se preparavam para a guerra (Tito Lívio, Per., 49). A segunda informação de que dispomos, procedente de Plutarco, é a referência de que P. Licinio Crasso, pro cônsul na Hispânia entre 97 e 93 a.C., sabendo que os Bletonenses sacrificavam homens aos seus deuses - prática que fora proibida nessa mesma época em Roma -, mandou chamar os seus chefes para os punir (Cuestión Romana 83, Garcia Quintela, 1992: 341 e 1999: 229).
Por fim, temos o testemunho de Estrabão, o mais importante e o mais completo de todos os três. Na sequência de uma passagem quase inteiramente dedicada à descrição das tácticas, armamento e usos dos guerreiros lusitanos, o geógrafo refere que "os lusitanos oferecem sacrifícios e observam as entranhas sem estripá-las. Também observam as veias do peito e adivinham palpando-as. Predizem também através das entranhas dos prisioneiros de guerra, que são cobertos com «sagoi»; quando o «hieroskópoi» golpeia a vítima abaixo dos órgãos vitais, predizem primeiro segundo a forma como cai o corpo. Cortam aos prisioneiros as mãos direitas e oferecem-nas aos deuses" (Geog. III, 3, 6). No passo seguinte e após considerações de diferente natureza, a temática religiosa é retomada: "a Ares sacrificam um bode e também prisioneiros e cavalos; fazem também hecatombes de cada espécie de vítima ao modo grego, como diz Píndaro, imolam toda uma centena" (Geog. III, 3, 7). O texto de Estrabão parece assim individualizar três tipos distintos de ritos sacrificiais: o sacrifício humano divinatório, o sacrifício conjunto de bode-homem-cavalo oferecido ao deus da guerra indígena e as "hecatombes" de vítimas animais. Essa individualização parece, além disso, corroborada de uma outra forma no próprio texto: enquanto o primeiro passo se refere explicitamente aos Lusitanos, as acções descritas no segundo reportam-se à designação genérica de "montanheses".
Produto da subjectividade e dos interesses de quem escreve, as fontes clássicas têm necessariamente de ser encaradas com toda a cautela. O grau de fiabilidade das informações que nos transmitem depende dualmente dos objectivos que o seu autor pretendera atingir e da nossa capacidade crítica de análise. No presente caso, porém, a prática do sacrifício humano e a imolação conjunta de um bode, homens e cavalos é referida entre os Lusitanos por três fontes distintas e independentes, o que à partida parece apontar para a fiabilidade dos relatos.
Temos no primeiro caso, um argumento de defesa pessoal, em resposta a uma acusação: alertado pela celebração do rito lusitano, Galba decide prevenir o ataque, atacando primeiro. Tito Lívio constitui o único autor que recolhe a justificação de Galba, não existindo qualquer meio de comprovar a sua veracidade, todavia, e independentemente do verdadeiro motivo de ataque, o que aqui nos interessa é a referência de Galba a um tipo específico de ritual, por sua vez, inteiramente corroborado pelo posterior relato de Estrabão. A segunda referência parece, por seu lado, ser meramente ocasional, apenas se assinalando a prática do sacrifício humano (sem associação do cavalo, note-se) entre os Bletonenses, devido ao carácter infractor de que se revestia perante a lei romana. O testemunho de Estrabão, pelo seu carácter de "compilação etnográfica" merece, porém, uma análise um pouco mais detalhada.
Na elaboração da Geographiká, Estrabão recorreu sobretudo aos testemunhos de Poseidónio, Políbio e Asclepíades de Myrleia. Não estamos, portanto, diante de informações em primeira mão, o que à partida pode colocar dúvidas quanto à fiabilidade do relato. Segundo Garcia Quintela (1999: 235-237), os passos descritos referir-se-ão ao resumo de Poseidónio recolhido em Asclepíades ou Políbio, fontes pouco ou nada contaminadas pelo conhecimento de outros ritos análogos não hispânicos, o que abonará em favor da credibilidade das informações transmitidas.
Em síntese, todas estas três fontes parecem assim, apontar para a existência entre os Lusitanos de dois tipos distintos de sacrificio: o sacrificio mântico não directamente relacionado com a guerra (Estrabão e possivelmente Plutarco) e o sacrifício do conjunto bode-homem-cavalo, num contexto claramente guerreiro (Tito Lívio e Estrabão), os quais encontram paralelo em realidades rituais indo-europeias aparentemente análogas.
Os dois tipos de rito sacrificial, ou se quisermos, os dois tipos de sacrifício humano - já que parece ser aí que reside toda a questão -, que aqui individualizamos têm, no entanto, sido tomados como um todo homogéneo e apenas nessa perspectiva analisados. Garcia Quintela, não considerando o plano de clivagem existente entre os dois passos do texto estraboniano, toma-os como a descrição de um mesmo e único ritual, com base no qual afirma que "la conexión entre el sacrificio adivinatório y una divinidad guerrera en el ámbito indoeuropeo occidental sólo se lee en Estrabón refiriendose a los Lusitanos"(1991:32).
Ora, o sacrificio humano e a sua dimensão divinatória encontra-se relativamente bem documentado entre Gauleses, Bretões, Gálatas e Cimbros. Note-se, porém, que em nenhum dos casos é referida a associação do sacrifício bode-homem-cavalo, do mesmo modo que, tal como no relato de Estrabão, em nenhum caso se refere a sua vinculação a uma divindade guerreira. Em compensação, o rito sacrificial compreendendo o conjunto bode-homem-cavalo, estreitamente ligado a uma divindade guerreira, parece encontrar um contexto ritual correspondente apenas entre os Citas, contexto esse do qual está por sua vez ausente qualquer dimensão divinatória. Ambos os ritos parecem assim, ser mutuamente exclusivos e inserir-se em contextos rituais diferentes. Por outro lado, a associação homem-cavalo apenas parece estar presente no rito lusitano e no rito cita, uma vez que entre os povos célticos na generalidade, na Índia védica, em Roma e na Grécia são práticas mutuamente exclusivas.
A pervivência do sacrifício humano na Roma antiga é assinalada pela sua proibição em 97 a.C. durante o consulado de L. Licinio Crasso, pela sua reabilitação pontual em 46 a.C. ordenada por César, rastreando-se ainda possíveis reminiscências da sua prática na velatio do general - símbolo de como está disposto a morrer pela pátria - durante a cerimónia da devotio militar (Quintela 1992: 342-343). Um ponto, no entanto, poderá indiciar a primitiva associação do sacrifício humano ao sacrifício do cavalo de Outubro: em 46 a.C. César salda uma contenda entre dois homens condenando ambos ao sacrificío. Dion Cássio (XLIII 24, 2-4) não precisa o ritual, mas refere que este foi realizado no campo de Marte, sendo as cabeças das vítimas levadas para a Regia, antiga residência do rei e sede da República. O October Equus, por sua vez, realizado nos idos de Outubro, consistia no sacrifício de um cavalo de batalha consagrado a Marte: o rito tinha lugar no campo de Marte, após o que a cabeça decepada era transportada para a Regia, onde o sangue ainda não coagulado, devia ser derramado sobre o fogo (Dúmezil, 1974: 237).
Também na Índia, o sacrifício humano - purusamedha - se encontra dissociado do sacrifício do cavalo, o ashvamedha. Neste ritual, o corpo do cavalo, é porém, dividido em três partes, consagradas individualmente por três esposas do rei (a rainha, a favorita e a rejeitada), a cada qual correspondendo uma vítima secundária (idem: 236) No entanto, quer o purusamedha quer o ashvamedha, encontram-se intimamente ligados à consagração do rei e à simbólica do seu poder guerreiro, contexto que também parece estar presente no October Equus e, por extensão, no sacrifício humano ordenado por César. Todavia, a fragmentariedade dos dados não permite equacionar com segurança ambos os tipos de sacrifício, da mesma forma que não existem indícios seguros que permitam extrapolar a simbólica real aqui presente para o contexto ritual lusitano.
Atendendo à referência de Diodoro sobre a raridade do sacrifício humano entre os Gauleses, poder-se-á supôr o mesmo acontecer no contexto peninsular, encontrando-se intimamente ligado a situações críticas de guerra, doença ou carestia. No entanto, o que parece ser aqui importante assinalar, é a particularidade do rito lusitano, expressa na associação sacrificial homem-cavalo, a sua evidente conotação guerreira e a sua distinção relativamente ao sacrifício humano divinatório. Não só o próprio texto de Estrabão parece tratar sacrificio humano divinatório e sacrifício bode- homem-cavalo, como ritos autónomos, como também a aproximação comparada a outras realidades rituais indo-europeias parece corroborar, como vimos, essa mesma distinção.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Lug

 



Deus do Sol celta (o seu nome significa cintilante), aparece por vezes como filho de Belenos (Beli) e de Danu. No entanto, outra versão conta que ele é filho de Cian (pertencente aos Tuatha de Danaan) e de Ethlinn, filha de Balor (rei dos Fomorianos, rivais dos Tuatha de Danaan e deus do mundo subterrâneo). Este cruel deus tinha encarcerado a filha numa torre de cristal (chamada Tór Mor, na ilha Tory) para evitar que ela tivesse um filho, pois foi-lhe profetizado que seria morto pelo seu neto. Mas a druida Birog ajudou Cian (que se queria vingar de uma partida que Balor lhe pregara) a entrar na torre, nascendo por consequência o belo Lug. Este deus foi salvo das águas, para onde o avô o atirou à nascença, pela druida Birog, que o entregou aos cuidados de Manannan mac Lir. A ama que lhe foi dada chamava-se Tailtiu e foi adoptado como filho por Manannan.

Uma variante conta que Ethlinn deu à luz três filhos, tendo um conseguido escapar do lençol onde foram envoltos pelo encarregado por Balor de afogar os bebés. Lug foi então levado por Birog a seu pai, que o mandou para casa do seu irmão, que era ferreiro e lhe ensinou o ofício. Posteriormente passou a estar sob a tutela de Duach (deus do sítio para onde iam os mortos), a quem o entregaram os Tuatha de Danaan.
A profecia cumpriu-se quando, na segunda batalha de Mag Tuireadh contra os Fomorianos, Lug esteve à frente das tropas dos Tuatha de Danaan. Balor matou o rei Nuada com o olhar mortífero que possuía, que foi imediatamente arremessado de volta por Lug ao avô, matando-o.
Podia também ser chamado de Lugos (sendo protector na Gália da cidade de Lugodunum, hoje denominada Lyon) e Lamfahda (braço comprido, devido à sua habilidade em atirar a lança a longa distância), e era casado com Rosmerta. No entanto teve um filho com Dechtine, chamado Cu Chulainn.
As festas propiciatórias de Lughnasa (nome que em gaélico significa Agosto), foram inspiradas por este deus, como se pode verificar pelo nome.

Lug era o deus da vida por excelência, eternamente jovem e talentoso (dominava diversos campos, desde a História à magia). Uma história conta como se serviu dos seus inúmeros talentos para entrar numa festa da corte em Tara; como só podia entrar que possuísse um talento que não houvesse lá dentro, o deus socorreu-se do estratagema de dizer que tinha muitos dons numa só pessoa, pois na festa haviam apenas pessoas que tinham cada uma habilidade para uma só arte.
Os diversos títulos que lhe foram dados reflectem a sua importância, entre os quais se encontram Maicnia (jovem guerreiro) e Samildanach (possuindo muitas habilidades).
Enquanto deus solar e guerreiro, o seu atributo é a lança mágica (representando o fogo), sendo esta lança um dos quatro tesouros dos Tuatha de Danaan. O lince e o corvo foram-lhe associados.

 Lug. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-04-09]

Na Península Ibérica o Povo Lusitano, prestava culto a Lugh e a Danna, que eram os deuses principais dos nossos antepassados. Lugh e Danna, deu origem a Luz Citânia, a povoação dos adoradores de Lugh e da deusa Danna que se transformou em Lusitânia, raíz do Portugal primitivo.