quinta-feira, 2 de maio de 2013

O Cromeleque e o Menir dos Almendres

 

Situado a cerca de 12 km a poente da cidade de Évora, o Cromeleque dos Almendres integrava, no seu apogeu, mais de uma centena de monólitos, constituindo um recinto de estrutura complexa, fora dos cânones dos monumentos similares da Península, com paralelo apenas num pequeno universo no termo de Évora.


Apesar de se encontrar em região de forte presença de testemunhos funerários do complexo cultural megalítico, somente em 1964, no decurso dos trabalhos da Carta Geológica de Portugal, o arqueólogo Henrique Leonor Pina, identificou este recinto que constitui o maior conjunto de menires estruturados da Península Ibérica e um dos maiores da Europa.

Marcado por uma longa evolução funcional e construtiva com origem no final do VI milénio, ou inícios do seguinte, que se desenvolveu até aos princípios do III milénio a.C., e como tal, enquadrada na cronologia correntemente proposta para o megalitismo de Évora, o Cromeleque dos Almendres é hoje constituído por 95 megálitos de granito, erguidos em encosta suave de terrenos pouco espessos. A cerca de 250m encontra-se um afloramento que pode ter sido utilizado no talhe de alguns dos seus monólitos, e a 1 Km, para nascente, desenvolve-se uma extensa bancada de rochas eruptivas, que poderá ter sido utilizada como fonte de matéria prima para as necessidades de grandes blocos para o talhe de outros menires constituintes do monumento. De facto, os monólitos apresentam-se esculpidos em diferentes tipos, evidenciando origens distintas, bem como oferecem formas e dimensões muito diversas, desde pequenos blocos rudemente afeiçoados, sub-paralelepipédicos, subcilíndricos ou ovóides, a outros de maiores dimensões, atingindo cerca de três metros de altura, de forma cilíndrica e de aspecto fálico ou estelar.



A Evolução do Cromeleque

 

Os dados obtidos através dos trabalhos de escavação e do espólio recolhido, permitiram concluir que aquele é, no seu essencial, constituído por dois recintos erguidos em épocas distintas, geminados e ambos orientados segundo as direcções nascente-poente.

O recinto mais antigo, erigido na fase avançada do Neolítico Antigo e hoje muito alterado, era formado por três círculos concêntricos definidos por pequenos monólitos. O círculo maior mede cerca de 18,80m de diâmetro e o menor 11,40m, conservando vinte e dois menires in situ e dois tombados, tendo-se identificado restos das estruturas de sustentação de mais cinco.

Alguns séculos depois, provavelmente já no decurso do Neolítico Médio, foi construído um segundo recinto, a poente do inicial, constituído por duas elipses concêntricas e irregulares, formadas por menires de grandes dimensões, afeiçoados em rochas de características distintas dos monólitos do recinto primitivo, sendo de admitir a reutilização de elementos da construção mais antiga. A elipse exterior apresenta um eixo maior com cerca de 43,60m e 32,00m no eixo menor, integrando vinte e nove menires erguidos in situ, dezassete tombados in loco e onze restos de estruturas de sustentação de monólitos desaparecidos.
A evolução do cromelque
Posteriormente e já durante o Neolítico Final, os recintos sofreram alterações, tendo-se transformado o recinto primitivo numa espécie de átrio de acesso ao recinto, solenizando os actos sócio-religiosos nele praticados, para o que terá contribuído a sua localização numa zona de cota mais baixa do terreno.
É de admitir que ao longo daquele período se tenham erguido outros menires no interior do recinto maior e procedido ainda à transformação de alguns deles em estelas, através de processo de aplanação parcial da sua superfície, por forma a criar uma face depois decorada através de relevos ou de gravuras.
As dimensões consideráveis da forma final do monumento bem como a sua localização, na qual a extremidade poente do recinto maior, desfruta de vasta panorâmica, monumentalizaria a própria paisagem, servindo esta de cenário às actividades rituais nele desenvolvidas.
O monumento foi recentemente reedificado por Mário Varela Gomes, seguindo critérios que se podem considerar como de elevada fiabilidade, pois, na maior parte dos casos, houve o cuidado de procurar o primitivo alvéolo de implantação.




Menires Decorados

Dos diversos monólitos integrados no cromeleque, cerca de uma dezena exibe relevos ou gravuras, dos quais quatro apresentam exclusivamente covinhas, localizadas, em dois deles nos topos (menires 5 e 13).
O menir 48, localizado no extremo sul do eixo menor do recinto elíptico, onde se reconhece um conjunto de gravuras, constituído por pequena figura antropomórfica esquemática, rodeada por círculos e associada a representação de "báculo".

Na extremidade oposta do eixo mencionado observam-se, no menir 58, as gravuras descobertas em 1966, onde se identificam três possíveis figurações de discos solares, às quais se associam linhas onduladas verticais, representando os raios, em composição similar tanto à do segundo período das gravuras da Estela-menir da Caparrosa (Tondela), na Beira Alta, como à da penúltima fase da decoração do menir de Vale de Rodrigo, situado perto dos Almendres, correspondendo a um momento final do Neolítico ou já ao Calcolítico, quando naquela região se fizeram sentir os estímulos culturais das primeiras comunidades produtoras de artefactos de cobre, as quais eram portadoras de nova super-estrutura religiosa, centrada numa super-divindade feminina, idealizada com grandes olhos solares - a "grande deusa-mãe mediterrânica" - presente em diversos objectos com função mágico-religiosa.
Localização de alguns dos menires decorados
Menir 64

O menir 64, situado a cerca de cinco metros do centro do recinto maior apresenta, no lado voltado a poente, um grupo de gravuras em forma de raquetas e de círculos, em repertório com paralelos conhecidos na Bretanha, designadamente no dólmen II de Petit Mont.

O menir 57, onde numa face, propositadamente aplanada, se observam treze figurações de "báculos" em tamanho natural e em relevo. As imagens de "báculos", igualmente presentes em muitos outros menires do Alentejo e até num do Algarve, representam muito provavelmente objectos de prestigio social, construídos em materiais perecíveis e também reproduzidos em xisto, sendo característicos dos espólios funerários da fase evoluída do megalitismo alto-alentejano. A este propósito será de destacar que, um dos báculos representados no menir 57, apresenta a extremidade proximal curva, encontrando apenas paralelo com artefacto procedente do espólio de dólmen da Herdade das Antas, em horizonte cronológico situado provavelmente em 3235 ± 310 a.C. Registe-se ainda a presença de figurações de "báculos", em diferentes monumentos bretões que levam a admitir um fenómeno de difusão artística e ideológica, abrangendo diferentes pontos da fachada atlântica da Europa, no decurso do Neolítico Médio e Final.
Ainda a poente do monólito anterior, podem ser observados, gravados no topo da face aplanada do menir 56, uma forma rectangular com pequeno círculo de cada lado, a que se associa, na base, uma outra lunular, definindo uma composição antropomórfica que permite atribuir a este monólito a categoria de estátua-menir. Uma outra figura sub-rectangular, em relevo, encontra-se no centro do topo da face aplanada do menir 76, a que se juntam algumas linhas incisas onduladas, oferecendo também uma tipologia antropomórfica, parecendo que estas decorações replicam a exibida por monólitos do Cromeleque da Portela de Mogos.
O Espólio
Os materiais arqueológicos exumados no monumento dos Almendres embora pouco abundantes, oferecem importantes informações relevantes que permitem uma mais correcta compreensão das funções e evolução daquele monumento.

Os utensílios líticos melhor representados são os percutores / moventes, de quartzo ou granito, por certo com funções múltiplas, podendo servir no afeiçoamento e regularização das superfícies dos menires como na farinação de cereais e, talvez, de alguns frutos, sendo de destacar a presença de elementos dormentes de mós, de gnaisse, e alguns moventes, nas estruturas de sustentação de seis monólitos, correspondendo provavelmente a aspecto ritual, já verificado na escavação de outros menires localizados na região algarvia (Amantes, Padrão, Courela do Castanheiro).
Foram ainda recolhidos, um machado de dolerito, parcialmente polido e com o gume exausto devido, possivelmente, ao trabalho contra pedra, talvez mesmo como percutor, além de "incisores", afeiçoados a partir de seixos de quartzo, com as extremidades apontadas esgotadas, em consequência da sua utilização na realização de gravuras.
As cerâmicas, em geral existentes apenas em pequenos fragmentos, distribuíam-se de modo irregular na área ocupada pelo monumento, embora com uma maior concentração no recinto mais antigo, onde foi possível encontrar dois fragmentos decorados por traços incisos paralelos, que devem ser correlacionados com os encontrados a cerca de uma centena de metros a nascente, no local em que poderá ter ocorrido o assentamento dos construtores daquela estrutura, enquadrados nos tipos que têm vindo a ser atribuídos ao Neolítico Antigo, dos finais do VI e inícios do V milénio a.C. Outros fragmentos de taças hemisféricas, de um recipiente esférico e de vasos sub-esféricos ou alongados, mostram afinidades com as cerâmicas provenientes dos sepulcros megalíticos da região.


O Menir dos Almendres

 

Localizado relativamente perto do Cromeleque encontra-se um menir isolado de grande dimensão que apresenta decoração composta por báculo e faixa de linhas onduladas.











Para saber mais...


GONÇALVES, José Pires, Roteiro de Alguns Megálitos da Região de Évora, Évora, 1975;
VARELA GOMES, Mário, Aspects of Megalithic Religion According to the Portuguese Menhirs, in Valcamonica Symposium, III, Capo di Monte, 1979;
SANTOS, M. Farinha dos, Pré-História de Portugal, Lisboa, 1985;
GONÇALVES, José Pires, VARELA GOMES, Mário e SANTOS, M. Farinha dos, Os Menires da Pedra Longa, in Arqueologia e História, Lisboa 1986;
CÂMARA MUNICIPAL DE ÉVORA, Roteiro do Megalitismo de Évora, edição coordenada por António Carlos Silva, Évora, 1992;
CÂMARA MUNICIPAL DE ÉVORA, Paisagens Arqueológicas a Oeste de Évora, edição coordenada por Panagiotis Sarantopoulos, Évora, 1997.

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