A
coca é um ser mítico, uma espécie de fantasma, bruxa ou bicho-papão
com que se assustam meninos. Embora não tenha uma aparência definida,
este ser assustador tinha uma representação figurada, a sua cabeça era
uma espécie de abóbora ou cabaça da qual saía luz (ou fogo). A representação da
coca
era feita com uma panela ou abóbora oca em que se faziam três ou quatro
buracos, imitando olhos, nariz e boca, e em que se colocava uma luz
dentro e deixava-se, durante a noite, num lugar bem escuro para assustar
crianças e pessoas que passavam .
A
coca é um ser feminino, o equivalente masculino é o
coco
embora ambos acabem por ser dois aspectos do mesmo ser, e confundem-se
um com o outro na sua representação e no seu papel de assustar meninos;
como nenhum destes seres tem uma forma definida toma-se um pelo outro.
Que Viene el Coco, (1799) de Goya
O mito do Coco teve origem em Portugal e na Galiza. Segundo o dicionário da Real Academia Espanhola, “el coco” (também chamado de “el cuco” na América Latina) teve origem no fantasma português: “(
Del port. côco, fantasma que lleva una calabaza vacía, a modo de cabeza). Fantasma con que se mete miedo a los niños”. A palavra coco é usada em linguagem coloquial para significar a cabeça humana em português e espanhol
. Coco também significa crânio.A palavra "cocuruto" em português significa a coroa da cabeça e o lugar mais alto. "Gogo" em basco significa espírito. Na Galiza "crouca" significa cabeça,
deriva
do proto-celta *krowkā-, e tem a variante "croca"; e quer coco ou coca
também significam cabeça. São cognatos o córnico "crogen" que significa
crânio, o bretão "krogen ar penn" que significa crânio, e o irlandês
"clocan" que também significa crânio.
Na
mitologia Calaico-Lusitana Crouga (do proto-celta *krowkā-) é o nome de
uma divindade ainda com contornos obscuros, a quem são feitas
oferendas, no entanto na inscrição de Ginzo de Limia é a Crouga que é
oferecida.
Nas Ordenações e Leis Extravagantes, "dar coca a alguém" significa
"trazê-lo sujeito e à sua disposição com carícias e afagos, trazê-lo
tonto, manso com amavias"
Coco era o nome do fruto de uma espécie de carvalho. Por sua vez o
nome cuca era dado a uma "espécie de bugalho que se cria nos carvalhos e
que, quando verde, tem cor avermelhada que faz lembrar a de certas
maçãs".
(vide maçã-de-cuco). O vocábulo transmontano "cócora" significa
'castanha cozida, que se não descascou parcialmente', e deriva de coco,
coca. Em provençal "coca" é o nome que se dá à castanha.
Lenda
O nome do coco é usado frequentemente como aviso de um mal iminente
nos países de língua castelhana, tal como acontecia em Portugal, quando
as crianças desobedecem a seus pais, não querem dormir, não querem
comer, ou para as dissuadir de ir para lugares perigosos e de se
afastarem de casa. Não é o aspecto do coco mas o que ele faz que assusta
a maioria das crianças. O coco é um comedor de criança (um
papa-meninos)
e um sequestrador. Ele imediatamente devora a criança e não deixa
rastro dela ou leva a criança para um lugar sem volta. Mas ele só faz
isso às crianças desobedientes.
A coca fica a vigiar as crianças mal comportadas do topo do telhado
(fica à coca). O coco toma a forma de qualquer sombra escura e fica
também de guarda. Eles são atraídos pela desobediência de uma criança.
Ambos representam o oposto do anjo da guarda e são frequentemente
comparados ao diabo. Há ainda quem veja o coco como a representação dos
defuntos da comunidade local.
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Fíbula celtibérica em bronze. |
"Cabeça cortada" galaico-lusitana
No Minho a máscara que se faz com a casca de uma abóbora é chamada de coco. Na antiga Beira Alta
era costume os rapazes levarem espetada num pau, como símbolo das almas
do outro mundo, uma abóbora esculpida em forma de cara, com uma vela
acesa dentro, lembrando uma caveira.
Segundo
Rafael Loureiro, a tradição de esculpir abóboras com rostos é uma
tradição milenar na Península Ibérica que remonta ao tempo dos
celtiberos , um costume parecido ao que Diodoro Sículo atribuía aos
guerreiros Iberos na batalha de Selinunte em 469 a.C., que penduravam
nas lanças as cabeças dos inimigos. .
- "O costume outonal e infantil de esvaziar abóboras e talhar na
sua casca olhos, nariz e boca buscando uma expressão tétrica, longe de
ser uma tradição importada por um recente mimetismo cultural
americanizante, é um rasgo cultural antiquíssimo na Península Ibérica" ~
Rafael Loureiro
Esta tradição estaria ainda relacionada com o culto celta das "cabeças cortadas" na península Ibérica. Nas Décadas da Ásia (1563), João de Barros descreve como o nome do coco (fruto), teve origem nesta tradição:
- “Esta casca per onde aquelle pomo recebe o nutrimento vegetal,
que he pelo pé, tem uma maneira aguda, que quer semelhar o nariz posto
entre dous olhos redondos, per onde elle lança os grellos, quando quer
nascer: por razão da qual figura, sem ser figura , os nossos lhe
chamaram coco, nome imposto pelas mulheres a qualquer cousa, com que
querem fazer medo ás crianças, o qual nome assi lhe ficou, que ninguem
lhe sabe outro, [...]”
Na primeira metade do século XX a coca era parte integrante de festejos como o do Dia de Finados ou o peditório ritual do Pão-por-Deus. O Pão-por-Deus, já mencionado no século XV,
é um peditório ritual feito por crianças, embora antigamente
participassem também os pobres, feito com o fim de partilhar o pão ou
guloseimas com as alminhas queridas, os defuntos da comunidade, que eram
aguardados ansiosamente e chegavam de noite em forma de borboletas ou
pequenos animais. Conforme a região, este peditório assume diferentes nomes: santoro ou santorinho, dia dos bolinhos, fieis de Deus, já na Galiza o peditório tem o nome de migalho (migallo).
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- "Nesta mesma cidade de Coimbra, onde hoje nos encontramos, é
costume andarem grupos de crianças pelas ruas, nos dias 31 de Outubro e 1
e 2 de Novembro, ao cair da noite, com uma abóbora oca e com buracos
recortados a fazer de olhos, nariz e boca, como se fosse uma caveira, e
com um coto de vela aceso por dentro, para lhe dar um ar mais macabro."
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- "Em Coimbra o peditório menciona «Bolinhos, bolinhós»,
e o grupo traz uma abóbora esvaziada com dois buracos a figurarem os
olhos de um personagem e uma vela acesa dentro[...]outro exemplo da
utilização da abóbora ou cabaço como figuração humana, nas máscaras dos
embuçados das esfolhadas de Santo Tirso de Prazins
(Guimaräes), que depois, estes passeiam, alçadas num pau e com uma vela
dentro, e deixam espetados em qualquer sitio mais ermo, para meterem
medo a quem passa."
Os embuçados ou serandeiros das desfolhadas
são rapazes mascarados, cobertos com um cobertor, lençol ou capa
encapuçada, trazem uma "racha", pau de marmeleiro ou de lódão da sua
altura numa mão, na outra trazem raminhos de manjerico ou maçãs que dão a
cheirar ou fazem cocegas nas bochechas dos presentes, e às vezes, por
travessura, trazem urtigas. Quando uma rapariga reconhece quem é o
serandeiro ou se reconhece o seu namorado joga-lhe a maçã que ela tinha
trazido de casa. Os serandeiros representam os espíritos dos mortos, os espíritos da natureza.
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- "Em Landim
(Famalicão) fingia-se, para amedrontar a gente das esfolhadas, um rosto
humano com um cabaço ôco onde se metia uma vela a arder. A seguir
espetava-se o cabaço num espeque, e deixava-se num ponto de passagem."
Na Galiza começava-se a talhar as cabaças com cara de caveiras perto do dia de São Miguel (21 de Setembro), e continuava-se pelo outono dentro. Toda a estação do outono era tempo de fazer caveiras com as cabaças.
As cabeças teriam poderes protectores, protegiam as pessoas ou
comunidades. Teriam também poderes divinatórios ou proféticos e de cura.
Os locais de exibição das cabeças cortadas, da Idade do Ferro,
situavam-se dentro e fora dos edifícios, notando-se uma preferência por
locais públicos, de trânsito e locais altos acima do nível de circulação
das pessoas (ruas, varandas ou entradas de edifícios, paredes e
pilares), sempre com uma preferência pelos locais mais visíveis.
A representação da coca, com uma abóbora iluminada, faz parte do património imaterial galego-português. Na Galiza é tema na festa das caliveras, ou samaín, e assume vários nomes: calacús, caveiras de melón, calabazotes, colondros etc.
Os rituais em torno da Nossa Senhora da Cabeça, em Portugal, incluem a
oferta de ex-votos com a forma de cabeças de cera, rezar a Avé Maria
com uma estátua da Nossa Senhora em cima da cabeça, e rezar com a cabeça
dentro de um buraco aberto na parede da capela.
A capela de Nossa Senhora das Cabeças localizada a 50 m NW das ruínas do templo romano de Nossa Senhora das Cabeças (Orjais, Covilhã)
evidencia uma continuidade no uso de um espaço sagrado que passou de
uma área de culto pagão para a de um culto cristão e que continuou a ser
um local culto nos séculos seguintes até ao dia de hoje. De acordo com
Pedro Carvalho os achados pré-romanos e a localização invulgar das
ruínas romanas dentro das muralhas de um castro do século VIII a.c. sugerem a possibilidade de o local ter sido inicialmente de um culto pré-romano. Em Mileu, a capela de nossa Senhora das Cabeças tem cabeças humanas, uma cabeça com gorro, e cabeças de lobo como motivos decorativos.
Na aldeia de Ponte, freguesia de Mouçós, num monte que dá para o Rio
Corgo, há uma capelinha chamada de Santo Cabeço que a lenda diz ter sido
construída pelos Mouros.
Na parede voltada para o sul tem uma cavidade redonda onde os Mouros
metiam a cabeça para ouvir o mar. O povo local tem também o costume de
colocar a cabeça no buraco: uns para ouvirem o sussurro semelhante ao
das ondas, outros para aliviarem as dores de cabeça.
Prudêncio e Martinho de Braga afirmavam que os habitantes da Hispânia veneravam pedras e árvores sagradas.
Para além das tradicionais abóboras, fazem-se as lanternas com
buracos a figurarem um rosto com panelas velhas furadas, com melões, e
com caixas de sapato.
Literatura
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Os cocos, representação gigante do coco e da coca de Ribadeo, na Galiza. |
Na literatura oral a coca é tema das cantigas de embalar, tal como o bicho-papão que rouba criancinhas ou a Maria-da-Manta que tem fogo nos olhos, é um ser que assusta as crianças, está sempre à espreita (está sempre à coca), e impede que o sono chegue. O sono é muitas vezes personificado por um outro ser mítico, o João Pestana.
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- “Vai-te coca vai-te coca
- Para cima do telhado
- Deixa dormir o menino
- Um soninho descansado.”
No Auto da Barca do Purgatório (1518), de Gil Vicente, um menino identifica o diabo como o "coco":
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- “Mãe e o coco está ali
- queres vós estar quedo co'ele?
- Demo: Passa passa tu per i.
- Menino: E vós quereis dar em mi
- Ó demo que o trouxe ele."