segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Santuário de Panóias




O Santuário de Panóias, também conhecido por Fragas de Panóias, localiza-se em Vale de Nogueiras, no concelho de Vila Real.
A sua configuração e inscrições são da época romana, porém são claros os vestígios de crenças mais ancestrais. Alguns historiadores interpretam o local como sagrado para os galaicos – povo celta que habitava este território antes da chegada dos romanos. 

Existe um altar rupestre com escadas muito semelhante aos que existem em Ulaca e na “Sila de Filipe II”.
O santuário é um recinto onde se encontram três grandes fragas, nestas foram abertas várias cavidades de diferentes tamanhos, nas quais foram também construídas escadas de acesso. Na rocha situada na entrada do recinto foram gravadas várias inscrições - três em latim e uma em grego, descrevendo o ritual celebrado, os deuses a quem era dedicado e quem dedicava, sendo que uma delas foi destruída no século passado, mas foi reconstituída a partir de leituras e registos anteriores.




A inscrição desaparecida, em latim, está 6/7 metros a Este da segunda inscrição, do lado direito do caminho por onde se entrava para a área sagrada. O texto está orientado para a rocha situada na entrada do recinto e diz o seguinte:

DIIS (loci) HVIVS HOSTIAE QVAE CA / DVNT HIC INMOLATVR / EXTRA INTRA QVADRATA / CONTRA CREMANTVR / SANGVIS LACICVLIS IVXTA / SVPERE FVNDITVR
“Aos Deuses e Deusas deste recinto sagrado. As vítimas sacrificam-se, matam-se neste lugar. As vísceras queimam-se nas cavidades quadradas em frente. O sangue verte-se aqui ao lado para as pequenas cavidades. Estabeleceu Gaius C. Calpurnius Rufinus, membro da ordem senatorial.”


Para a rocha da entrada, sobe-se por uns degraus, sendo que antes de subir, à esquerda, fica a segunda inscrição:

DIIS CVM AEDE / ET LACV M. QVI / VOTO MISCETVR / G(neus) C(aius) CALP(urnius) RUFI / NVS V(ir) C(larissimus) 
 "Aos deuses, com o aedes e o tanque, a passagem subterrânea, que se junta por voto."
“G. C. Calpurnius Rufinus consagrou dentro do templo (templo entendido como recinto sagrado), uma aedes, um santuário, dedicado aos Deuses Severos.”


Restam vestígios de um dos pequenos templos existentes no recinto. Subindo as escadas e passando para o outro lado da rocha, encontra-se a terceira inscrição:

DIIS DEABVSQVE AE / TERNVM LACVM OMNI / BVSQVE NVMINIBVS / ET LAPITEARVM CVM HOC TEMPLO SACRAVIT / G(neus) C(aius) CALP(urnius) RVFINVS V(ir) C(larissimus) / IN QVO HOSTIAE VOTO CREMANTVR

"A todos os deuses e deusas, a todas as divindades, nomeadamente às dos Lapiteas, dedicou este tanque eterno, com este templo, Gaius c. Calpurnius Rufinus, varão esclarecido, no qual se queimam vítimas por voto."
“Aos Deuses e Deusas e também a todas as divindades dos Lapitaes, Gaius C. Calpurnius Rufinus, membro da ordem senatorial, consagrou com este recinto sagrado para sempre uma cavidade, na qual se queimam as vítimas segundo o rito.”

Esta inscrição revela que o recinto é dedicado não só aos Deuses Severos, mas também aos deuses dos Lapitae, deuses da comunidade indígena que existia na região.
Adiante temos a quarta inscrição (em grego):

Y'l'ICTw CEPA PIDI CYN KANqA Pw KAY MYCTOPIOIC C. C. CALP.RVFINVS V|C.

"O esclarecido varão Caio Calpúrnio Rufino, filho de Caio, consagrou, junto com um lago e os mistérios, (um templo) ao mais alto deus Serápis."
“Ao altíssimo Serápis, com o Destino e os Mistérios, G. C. Calpurnius Rufinus, claríssimo.”

O senador consagrou o recinto sagrado à divindade principal dos deuses do Inferno, o Altíssimo Serápis, incluindo uma gastra e mistérios. Gastra, cavidade redonda, encontra-se imediatamente atrás da inscrição. A sua função no ritual era a de assar a carne da vítima, que era consumida no local, em frente ao nome da divindade.
A quinta inscrição indica o acto final:

DIIS SE(veris) MAN(ibus) DIIS IRA(tis) / DIIS DEABVSQVE (loca) / TIS (hic sacravit lacum et)
/ AEDEM (Gneus Caius Ca) LP (urnius Ru) FINVS (Clarissimus Vir)

"Aos deuses infernais irados que aqui moram, (dedicou) Gaius c. Calpurnius Rufinus, varão esclarecido."
“Aos deuses, G. C. Calpurnius Rufinus, claríssimo, com este (templo) oferece também uma cavidade para se proceder à mistura.”

(As primeiras traduções são de António Rodriguez Colmenero e as segundas de Geza Alföldy)






Com base nos estudos de Geza Alföldy, sobre Panóias, podemos hoje dizer que tivemos no local um ritual de iniciação com uma ordem e um itinerário muito precisos – a matança das vítimas, sempre animais e nunca humanas, o sacrifício do sangue, a incineração das vítimas, o consumo da carne, a revelação do nome da autoridade máxima dos infernos e, por fim, a purificação.
Na segunda rocha do recinto, a iniciação repetia-se num grau mais elevado e na terceira rocha, a mais elevada, havia um pequeno templo onde acontecia o acto principal da iniciação – a morte ritual, o enterro e a ressurreição.
Hoje em qualquer uma das três rochas temos vestígios dos pequenos templos que eram parte integrante do recinto. Restam também as diferentes cavidades rectangulares que serviam para queimar as vísceras, uma gastra (cavidade redonda) para assar a carne e ainda uma outra cavidade onde se procedia à limpeza do sangue, gordura e azeite.
 Outras cavidades estavam relacionadas com os pequenos templos existentes e destinar-se-iam a guardar os instrumentos sagrados usados nos rituais.
Existem portanto em Panóias testemunhos de um rito de iniciação dos mistérios das divindades infernais. As prescrições identificam-se como partes de uma lei sagrada, mas aplicadas a um local concreto e preciso. A escolha deste local não foi por isso feita ao acaso, mas sim fruto de critérios específicos e previamente estabelecidos. A topografia do local desempenhou aqui um importante papel.

                                                                  

O ritual

A primeira pedra contém as escadas e ao seu lado o lacus e o laciculus. É visível o rebaixamento feito na rocha granítica, onde se encontravam os lavacra purificatórios, nos quais os mystae se borrifavam antes de oferecerem as vítimas, ou os depósitos, onde os sacerdotes guardavam os instrumentos sacrificiais.

Na segunda pedra existe um orifício que serviria para um poste de ferro ou de bronze, apoiado em duas escoras, onde se prendiam os animais a sacrificar que vinham engrinaldados. Os sacerdotes, com vestes brancas e coroas feitas de vergônteas de louro/carvalho/azevinho/hera/parra, conforme o deus a que se destinava o sacrifício, traziam nas mãos a patera, uma espécie de pratos redondos de metal. Depois, vinham os victimarii, munidos da securis, machadinha utilizada no esquartejamento das vítimas.
Quando tudo estava preparado, um arauto impunha silêncio e os profanos abandonavam o local sagrado. Os sacerdotes borrifavam a vítima com a mola. Os presentes bebiam um pouco de vinho, com que também faziam a libatio derramando um pouco na cabeça do animal. Acendia-se a fogueira no respectivo lacus e queimava-se incenso. Aí, os Popae, nus da cintura para cima, conduziam a vítima ao altar, onde era ferida de morte com um machado pelos Cultrarii, que lhe cortavam a garganta. O sangue era recolhido na patera e derramado nos laciculus. A vítima era colocada na mesa anclabris, esfolada e esquartejada. De acordo com uma epígrafe há décadas destruída, queimavam-se as vísceras da vítima em honra dos deuses e a outra carne era grelhada e comida pelos presentes em confraternização com as divindades.
Nesta pedra é visível também um conjunto de lavacra (os referidos tanques purificatórios), bem como os alicerces de um segundo templo, cujos silhares se encontram nas actuais paredes das casas da aldeia vizinha, principalmente no chão da igreja.
Um pouco mais a norte, existe um lacus, com ranhuras que sustinham as barras de ferro que suportavam a grelha onde assada a carne das vítimas, e o laciculus, onde se derramava o sangue.
Cerca de vinte metros, do lado oriental, conservam-se ainda, numa pequena rocha, os restos de um altar pré-romano constituído por diversas covinhas ligadas entre si por sulcos, onde os Lapiteas teriam prestado culto aos seus deuses, como a Reva Marandiguius, divindade que morava nas alturas do Marão, e, hipoteticamente, às serpentes e aos javalis. Segue-se, em direcção a norte, por uma escada escavada na rocha, e depara-se com outro altar dos Lapiteas, constituído por covinha e sulco.

Mais ao norte ainda, encontra-se a terceira pedra, com as suas escadas e corrimão milenários. No alto, em larga plataforma, abriram-se a pico "sepulturas" rectangulares e os alicerces de um terceiro templo, que também desapareceu. Aqui realizava-se a incubafio, onde os mysfae "morriam" simbolicamente, dormindo toda a noite, sonhavam com as divindades, que lhes transmitiam os seus oráculos, e "ressuscitavam" para uma vida "nova".

Fontes: 
http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/pesquisa/geral/patrimonioimovel/detail/70273/
http://www.celtiberia.net/articulo.asp?id=840
http://www.ipa.min-cultura.pt/pubs/RPA/v5n1/folder/147-159.pdf 
http://www.arqueotur.org/yacimientos/santuario-de-panoias.html

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